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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Manoel de Oliveira, 105 anos dedicados ao cinema




[É um texto antigo e meramente informativo. Não tenho certeza, mas suponho que o escrevi para uma mostra de cinema na Casa da Cultura de Teresina e o publiquei no Diário do Povo. Republico-o aqui como uma singela homenagem aos 105 anos que o grande diretor completa hoje]

O português Manoel de Oliveira (Porto, 1908) é um dos mais aclamados e influentes diretores do cenário europeu, contando entre seus admiradores Wim Wenders, Jean-Luc Godard e Clint Eastwood. Recentemente, em 2008, recebeu das mãos de Eastwood, em Cannes, “Palma de Ouro” pelo conjunto de sua obra. É o mais longevo diretor da história do cinema, tendo completado 100 anos trabalhando ativamente. É ainda o único cineasta a ter iniciado sua carreira no período do cinema mudo e a manter-se ativo no XXI.

A trajetória de Manoel de Oliveira no cinema se inicia quando, aos vinte anos de idade, ingressou na escola de atores de Rino Lupo, cineasta italiano radicado em Porto, sua terra natal. Em 1933, participou de “A Canção de Lisboa” (1933), de Cottinelli Telmo, o segundo filme sonorizado de Portugal. Em 1942, lançou-se no cinema de ficção com “Aniki-Bobó”. Antes desta data, fizera documentários, muitos dos quais obtiveram repercussão internacional. Por um espaço de tempo, por conta dos fracassos comerciais dos seus filmes, decidiu afastar-se da sétima arte e dedicar-se aos negócios da família. Porém, em 1956, voltou com “O Pintor e a Cidade”. Em 1963, realizou “O Acto da Primavera”, misto de documentário e ficção que constitui um dos pontos altos de sua carreira e do cinema mundial. Sua fase mais fértil, quantitativamente falando, inicia-se na década de 1990, quando passa a realizar praticamente um filme por ano, alguns deles obras-primas da sétima arte.

Seu estilo é marcado por uma preocupação com todos os estratos sígnicos do discurso fílmico. Como observou o crítico Ruy Gardnier, o cinema, para Manoel de Oliveira, é uma “arte inclusiva (catalisadora de todas as artes) e perspectiva (faz refletir sobre todas elas e sobre si própria)”. Como na maior parte do bom cinema europeu, suas produções apresentam diálogos de elevado nível sem, no entanto, parecerem demasiado didáticos – não por acaso, sua roteirista predileta é Agustina Bessa-Luis, uma das grandes prosadoras da literatura de língua portuguesa do século XX. Seus planos são lentos e estudados, de grande exatidão pictórica e forte carga simbólica; sob a câmera estática, a gestualização teatral dos atores convida-nos a uma reflexão sobre a semiótica dos gestos. Estes pontos – que fazem o deleite do espectador intelectualmente mais exigente e versado em artes plásticas – acabam algumas vezes causando estranhamento àqueles que estão mais acostumados ao cinema americano e sua montagem frenética. Assim, é preciso um esforço reflexivo para entender o sentido ritual e simbólico das imagens captadas e recriadas no cinema de Manoel de Oliveira.

Sob o influxo de grandes artistas portugueses, em especial de Camões e Fernando Pessoa, Manoel de Oliveira faz convergirem mito e história em seus trabalhos. De sólida formação humanista e avesso à moda multicultural, Oliveira aposta no cinema como fator de integração cultural (daí o plurilinguismo comum em seus filmes, seus atores de várias nacionalidades e suas referências a clássicos universais de variados países) e enunciador de discursos universais.

Se na pós-modernidade o bombardeio de imagens veiculadas na mídia nos incita cotidianamente a uma recepção semi-distraída, de apreciação sinestésica e irrefletida, o cinema de Manoel de Oliveira deriva grande parte de seu poder transformador de um desafio que nos lança: reatar uma relação reflexiva com a imagem, contemplando seu apuro plástico e buscando compreender os novos efeitos de sentido que se produzem quando do seu contato com a palavra e com a música.

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