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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Psicologia do picareta


Uma marca singular dos picaretas, sejam deístas ou ateus, príncipes ou mendigos, estejam à direita ou à esquerda, é a autoproclamação orgulhosa de uma impossível autonomia do self.  Onde a subjetividade ruge ao vento sua solidão heroica e gloriosa, ali está o picareta. No capitalista que conseguiu tudo com o “suor do próprio trabalho”; no mendigo que berra não depender de ninguém no mundo; no aluno que faz o trabalho em grupo sozinho para se gabar. O picareta desconhece o que vem de graça, pela gratia, ou diriam os não religiosos, pelo acaso. Tudo pra ele é fruto de manobras e cálculos, toda vitória é fruto de uma decisão firme em seu propósito. A crença na autonomia dos nossos desejos e na supremacia da vontade individual gera toda variedade de picaretas – de profetas a estadistas, de intelectuais carreiristas até almas ingênuas que se fiam com constrangedora fé nos manuais de autoajuda mais rasteiros. O picareta não questiona se há algo errado na ordem do mundo (cosmos), na organização social em que habita – ele quer apenas se adaptar e se dar bem. Assim, se a lei está a seu favor, ele a usa com aquela cara-de-pau sutilmente irônica, aquele espírito de isenção de quem diz: “Não posso fazer nada, a lei está a meu lado”. Se a lei não está do seu lado, então é preciso burlá-la sem sujar as mãos. O que significa: subir nas costas de alguém, ou jurar que está defendendo uma causa nobre – Deus, a Família, o futuro do País, o Partido, a Moral, a Boa Educação, a Ciência etc – ou, no limite, dizer que se não fizesse aquilo, outra pessoa o faria, pois “o ser humano é assim mesmo, não adianta se iludir”.

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