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sábado, 25 de agosto de 2012

Divagações antropológicas sobre a identidade piauiense




“E o que mata é, justamente, a humildade. Dirão vocês que o Piauí tem a modéstia do pequeno, sim, a modéstia do pobre. Já contei, aqui, o que ocorreu no Vaticano. Uma senhora brasileira foi recebida pelo papa. Poucas palavras. Ao se despedir, Sua Santidade pediu, num sussurro: - "Reze por mim". Podia ter essa humildade porque era o papa”.
(Nelson Rodrigues, na crônica mui acertadamente intitulada “Nunca houve tamanha solidão na Terra”).

Se quisermos brincar de arquétipos – ainda que estes não sejam ferramentas heurísticas lá muito confiáveis –, podemos afirmar que há dois arquétipos básicos para identificar o sujeito piauiense: o vaqueiro com sua solitude e o pedreiro com sua solicitude. Ambos de uma fidelidade canina.  Tal fidelidadeporém, degenera facilmente, muito facilmente, em subserviência.  É difícil encontrar um típico piauiense – digo, aquele sujeito interiorano, não estudado em excesso nem corrompido pelo dinheiro fácil – que não que se porte com uma lealdade que trilha na linha tênue entre o prestativo e o subserviente. Mesmo nos círculos dos bem situados economicamente ou na vida acadêmica, longe portanto desse utópico e fantasmagórico “típico”, é fácil encontrar piauienses subservientes.
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O piauiense é um pernambucano desfibrado.
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A Irene do poema de Manuel Bandeira nasceu no semi-árido do Piauí.
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Quando o piauiense supera a subserviência ele não raras vezes cai no auto-fechamento orgulhoso.
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O piauiense, como o cearense, tem uma vocação notável para o humorismo de natureza auto-irônica. Isto significa às vezes auto-depreciação como mecanismo de defesa; mas às vezes, na maioria das vezes, significa: ser capaz de um olhar minimamente distanciado e sem comiseração sobre si próprio. Aí se concentra boa parte de sua dignidade.
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O piauiense nunca coloca os dois pés no chão: ele não está bem está onde está mas não quer voltar para onde esteve.
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Em geral, o piauiense só concebe três saídas existenciais no plano da realização pessoal: o estudo, São Paulo (ou sua variante: Brasília) e o Armazém Paraíba.
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Teresina, a capital do Piauí, é maior deserto intelectual de pessoas obsessivamente estudiosas do Brasil.
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Quase tudo o que de bom se produziu no Piauí em termos culturais tem a marca daquilo que os piauienses mais querem se livrar: suas raízes patriarcais, conservadoras, anti-modernas.
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