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domingo, 19 de agosto de 2012

Borges e a condenação do romance


Jorge Luis Borges não apenas jamais escrevera um romance como considerava, ainda que com alguma hesitação, que este gênero não passava de uma degeneração da epopéia. Para ele, a distinção qualitativa mais notória entre a epopéia e o romance não vem a ser a diferença entre prosa e verso. O fator está no tratamento dado à figura do herói.

Na epopéia, o herói é “um homem que é modelo para todos os homens” (In: Esse ofício do verso, 2000); a essência do romance centra-se, por outro lado, na “aniquilação de um homem, na degeneração do caráter” (idem). Ou seja: as narrativas de nossa época abdicaram do heroísmo, da vitória, da felicidade (um romance moderno com final feliz só é possível na cultura do baixo entretenimento). Mesmo a nossa poesia, na medida em que se “liricizou” e abdicou de narrar aventuras, degenerou-se um pouco também.  Na era do romance, o narrador deixou de fabular aventuras capazes de congregar a comunidade e passou a se guiar pelo critério da inventividade (de novas técnicas narrativas, de novos enredos). Invariavelmente, porém, o romance conta uma mesma e monótona história: a narrativa de uma Queda.

Por esses traços, o romance não consegue aplacar nossa sede de aventura e heroísmo, que é uma necessidade estrutural do espírito humano. “As pessoas” – afirma Borges – “estão famintas e sedentas de épica” (idem). Se não o romance, quem então procurou suprir essa nossa carência estrutural de narrativas heróicas?

Numa época em que vogavam as críticas mais unilaterais e devastadoras sobre a assim chamada “cultura de massa”, Borges não hesita em responder: “[...] foi Hollywood que abasteceu o mundo de épica. Por todo o globo, quando as pessoas assistem a um faroeste – observando a mitologia de um cavaleiro, e o deserto, e a justiça, e o xerife, e os tiroteios etc. –, imagino que resgatem o sentimento épico, quer tenham consciência disso ou não” (idem).

As idéias de Borges sobre o romance convergem em muitos pontos com as de Hegel, Bakhtin, Lukács e, principalmente, Benjamin (autores, aliás, que possivelmente Borges não gostaria de ver seu nome associado, com exceção talvez de Benjamin). Um confronto de suas idéias com a desses outros autores seria muito enriquecedor e serviria para estabelecer o que de contribuição pessoal o argentino traz para o debate.

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