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sábado, 12 de abril de 2014

Jornalismo e (falta de) mérito

Não é purismo linguístico, mas me doeu ouvir o Silas Freire falar, agora há pouco, em "pequena menoria". Quisera Deus, porém, que a inépcia linguística fosse o problema maior dele e de outros comunicadores de nossos programas locais. Vamos falar sério: uma cidade que possui formadores de opinião no nível do Silas, do Efrém Ribeiro, do Beto Rego e do Pádua Araújo está culturalmente agonizando e impermeável à noção de meritocracia que deve pautar o debate na esfera pública . Sem nem hesitar eu sou capaz de citar 50 alunos meus que falam, escrevem e opinam melhor do que estes quatro cavalheiros. Mas, então, por que eles continuam nos meios de comunicação destilando burrices e lugares-comuns superficiais? A reposta é simples porém cruel; simples porque não é segredo nem exige anos de pesquisa e cruel porque fere frontalmente nossa autoimagem já tão surrada: NÃO SUPERAMOS COMPLETAMENTE AINDA NEM O CORONELISMO NEM O ANALFABETISMO.

[31- 03- 2014]

quarta-feira, 19 de março de 2014

Uma parábola piauiense



Era uma vez um piauiense. Um dia, ele subiu numa carnaúba bem alta e ficou a contemplar a paisagem até que, distraído, tombou das alturas e se estatelou no lajedo feito jenipapo maduro. Muito machucado, ele levantou a cabeça e não viu ninguém. Como não havia ninguém para ver o que lhe ocorrera, o piauiense ficou sem saber o que se passava com ele. Então, 2 anos depois da queda, passou um carioca e disse-lhe: "Nossa, piauiense, como você está ferido!". Ao ouvir isso, o piauiense começou a sentir dor por todo o corpo; era uma dor insuportável. E enquanto o piauiense se estribuchava de dor, já 4 anos após a queda, surgiu um paulista e disse-lhe: "Olha, seu caso é grave!". Mal ouviu essa frase do paulista, o piauiense deu o último suspiro e morreu.

O cultivo dos erros




“A gente aprende com os erros" - mas não só com os erros. Pararemos com essa autocomplacência pueril de se orgulhar dos erros do passado, como se eles fossem a condição única e exclusiva para alçar-se à maturidade. Uma burrada é, antes de qualquer coisa, uma burrada. A distância existente entre se orgulhar dos erros e cultivar os erros, permanecendo bem tranquilamente neles, é mínima.

Nossa linda juventude


Elefante (2003), filme de Gus Van Sant

A juventude classe média alta de Brasília, de Teresina ou do escambau começa suas festas fazendo piadinhas com o gosto musical das domésticas e dos porteiros e termina-as na maior algazarra etílica, ao som de funk carioca, swingueira e congêneres. Santa bebida que nivela o gosto nacional e revela nosso pauperismo!

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

12 aforismos de Antonio Porchia


Éramos eu e o mar. O mar estava só e só eu estava. Um dos dois faltava.

*
Quase não toquei o barro e sou de barro.

*
Meus olhos, por haverem sido pontes, são abismos.

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A dor não nos segue: caminha adiante.

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Um coração grande se farta com muito pouco.

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Quando me fizeste outro, te deixei comigo.

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O que somos é para algo que não somos.

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Ser alguém é ser alguém só. Ser alguém é solidão.

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E se o amor é o amor perdido, como encontrar o amor?

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Toda pessoa anônima é perfeita.

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Os sins e os nãos são eternidades que duram momentos.

*
O que dizem as palavras não dura. Duram as palavras.
Porque as palavras são sempre as mesmas
e o que dizem não é nunca o mesmo.



Antonio Porchia (1885 - 1968) nasceu na Itália. Em 1900, após a morte de seu pai, mudou-se para a Argentina.  Escreveu o livro de aforismos “Voces”, sua única obra.  Teve entre seus admiradores André Breton, Jorge Luis Borges e Henry Miller.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Paternidade


Sacrifício de Isaac por Rembrandt

Deus me deu o dom da paternidade. E o fato de eu ser pai é o princípio (arqué) de parte considerável dos meus gestos de bondade: como professor, como amigo, como cidadão. Essa convicção faz com que eu reconheça a boa intenção, mas não me encante nem um pouco, com certas exteriorizações pós-modernas do amor pelo filho, como o hábito de tatuar o nome dos pequenos no corpo ou o de escrever a cada minuto nas redes sociais que os ama. Tais gestos são sinceros, verdadeiros – atire a primeira pedra o pai ou a mãe que nunca fez algo parecido! – mas a meu ver absolutamente redundantes. Eles dizem que você ama seu filho, o que todos já sabem, mas não indicam em que esse amor fez você tornar-se uma pessoa melhor. Afinal, não implica grandes méritos nem requer grandes esforços gostar do filho e achá-lo o mais bonito. É amor, mas não amor (ágape) que age em prol do outro. No limite, tais gestos podem ser confundidos com narcisismo oco – e infelizmente, algumas vezes, são isso mesmo.